TRIGÉSIMO OITAVO DIA
Isto de identificar os ciclos dos dias pela observação dos bichos tem mais de astrologia do que de astronomia. Um pouco como observar a lua cheia no uivar do lobo. E o lobo não é um bicho gerador de nomes, mas o seu observador certamente será.
Já a observação do aluado é toda uma constelação de luas cheias. Torna a sobreposição dos calendários num jogo de batalha naval, tiro… Submarino ao fundo? A palavra aluar é um nada que é tudo, uma palavra que a lagarta copiosamente escreverá no casulo.
O trigésimo oitavo dia é um banal dia do ano da areia, um daqueles dias que se localiza no calendário de acordo com um qualquer ciclo perfeitamente estabelecido.
TRIGÉSIMO NONO DIA
Há, portanto, na observação dos bichos todo um universo que, à falta de outro, usa o universo para o justificar. Por alguma razão estão os Deuses nos céus e os bichos foram feitos à sua imagem. Não admira que a astrologia contenha em si uma certa adivinhação da astronomia.
Prosaico trigésimo nono dia.
QUADRAGÉSIMO DIA
Poderá a astrologia ultrapassar a astronomia? Poderá a criação de um universo, à imagem do universo, exceder-se? Poderemos imaginar dezenas de luas sem alguma vez ter de regressar à lua que as desencadeou? Ou sempre que imaginamos luas o fazemos porque a lua existe e não porque já inventámos luas e luas?
O quadragésimo dia são quatro vezes décimos dias. Será o quadragésimo dia a imaginação de quatro décimos dias, ou o resultado de oito quintos dias? E o décimo dia, imaginou o quinto? E o primeiro?
Todo o calendário é imaginação, incapaz de conjeturar o que não está nele.
QUADRAGÉSIMO PRIMEIRO DIA
Tendo-nos apercebido ao quadragésimo dia de que o calendário do ano da areia é pura imaginação, o quadragésimo primeiro dia é feito da mais completa liberdade. Tudo é possível, mesmo o que nunca antes foi pensado, dentro do calendário.
Cada novo dia expande o calendário com as suas conjeturas. Cada pensamento, cada opinião, alonga o calendário, mas não nos faz sair dele. Um idealismo subordinado à matéria.
QUADRAGÉSIMO SEGUNDO DIA
Um idealismo subordinado à matéria. Pensei que o ano da areia teria terminado com os seus quarenta e um dias mais dois, o septuagésimo quinto e o septuagésimo sexto, batedores desgarrados de um exército aniquilado ao quadragésimo primeiro.
Não que em tal fim encontrasse alguma estranheza, num ano da areia podem 41+2 dias ser suficientes para perfazer 365. É ilusório prolongar o que já terminou. Suplicar, nem que seja só por mais um dia, não gera dias, gera apêndices, nostalgias.
Estava descansado portanto quando me ocorreu que subordinado não seria a palavra mais adequada. Que, assim como observamos a luz do universo para perceber a matéria de que é feito, também o idealismo pode ser um reflexo da matéria, uma das suas formas.
E isto preencheu um completo quadragésimo segundo dia. Sem apêndices, sem nostalgias.
QUADRAGÉSIMO TERCEIRO DIA
E depois, ao quadragésimo terceiro dia, observei-me a observar o universo. Não pude deixar de sorrir. Um bicho a observar-se a observar o universo. O que estaria a observar? A intenção de observar um bicho a observar-se a observar o universo? Ou o bicho que observa? Mas qual dos bichos? O que observa o universo ou o que observa o que observa.
Com algum pesar observei que o quadragésimo terceiro dia não era feito de noite.
QUADRAGÉSIMO QUARTO DIA
Mas regressemos à observação do universo. Conterá a luz que nos chega todas as ideias que os bichos emitem? Responder que não seria contradizer alguns dos postulados deste ano da areia. Localmente assim deve ser, o extinto tigre marsupial parece indicá-lo. Mas já será mais complicado prová-lo numa escala global.
Imaginemos uma coisa que nunca esteve em contacto com outra coisa que não seja a matéria do universo e a sua luz. Imaginemos que esta coisa é ao quadragésimo quarto dia colocada em contacto com outras coisas. Estranhará?
Se não estranhar, poder-se-á concluir que observar bichos é como observar o universo.
QUADRAGÉSIMO QUINTO DIA
Pressupondo ainda que o ano da areia teria acabado aos seus 41+2 dias passemos o quadragésimo quinto dia a observar estes dois dias desgarrados. Imaginemos que os imbuía um forte sentido de pertença ao ano da areia. Consideremos ainda que são incapazes de se reproduzir, como dois machos ou duas fêmeas. Como observarão o resto dos dias até eles próprios se apagarem. Como quem observa o universo?
QUADRAGÉSIMO SEXTO DIA
Como observamos nós o solitário rodopiar destes 2 dias?
Será feita de luz a memória dos corpos celestes?